VEJO A VIDA ATRÁS DAS GRADES


        Lembro-me que quando nasci senti um alívio enorme, achei que ao sair daquele ovo apertado fosse conhecer o mundo, triste engano. Não conheci minha mãe, sou filho de chocadeira. No dia em que nasci muitos iguais a mim também nasceram, no entanto, eram horríveis, estavam todos pelados e tinham uns olhos muito grandes (eu era mais bonitinho. Pelo menos, eu achava.) Com o tempo, as penas vieram, foi aí que a coisa melhorou um pouquinho, fomos viajar embalados em grandes caixas de papelão.

         Infelizmente, alguns não resistiram aos solavancos e foram para o céu. Durante o restante da viagem fiquei com medo de morrer também, mas não demorou muito, chegamos. Era um lugar bonito, senti um cheiro gostoso quando sai daquela caixa apertada, era cheiro de comida, finalmente iríamos comer uma comidinha fresca, fui o primeiro a sair da caixa, entrei satisfeito na nova gaiola que esperava por nós.

         Num espaço maior e mais arejado pudemos, então, fazer um delicioso alongamento, espichamos nossas asas e, felizes, começamos a cantar. A nossa cantoria chamou a atenção dos que por ali passavam e logo, alguns de nós foram vendidos, eu e uma fêmea fomos para a casa de uma menina muito atenciosa que nos dedicou a maior parte de seu tempo.

         Dez anos se passaram desde então, mas ainda vivemos com a menina, que agora é uma moça linda.

         Nunca vi o mundo, tampouco sei o que é pousar num galho de árvore. Vejo o pedaço de mundo que meus olhos alcançam, através das grades de minha gaiola, mas me conformo e não reclamo, tenho casa, comida, sombra e água fresca. O que mais posso querer da vida?    

 

 

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