PEIXEIRA AFIADA
Risonildo da Silva saiu de sua casa ainda de
madrugada, queria aproveitar o frescor da manhã para levar suas quatro vacas
magrelas para um pasto que conseguira emprestado. Pois o seu estava muito seco
devido à estiagem, por sorte suas criações ainda não tinham morrido.
Foi montado em seu jegue Corisco abrindo caminho para que as vacas o
seguissem, estas, apesar de fracas, marchavam relutantes, parando hora aqui,
hora ali para comer um capinzinho que encontrassem.
O sol começava a raiar quando Risonildo apeou do jegue e retirou do
farnel que sua mãe havia lhe preparado, um pouco de cuscuz e uma garrafa com
café, àquela hora o café já havia esfriado, mas Risonildo estava com tanta fome
que não se importou com a temperatura do café. O que mais queria era forrar o
estômago e seguir viagem. Retirou a rolha da garrafa e tomou o café no gargalo.
Enquanto ele enchia o pandu, as vacas iam procurando algo para
forrar-lhes a pança também. Pois a fome era negra, e antes que suas vistas
ficassem igualmente escurecidas, elas comiam qualquer coisa para aliviar a
fome.
Terminado o café, Risonildo montou novamente o Corisco seguindo viagem.
Chegou ao destino com o sol a pino. Foi recebido pelo amigo que o esperava com
um almoço farto. Foram servidos: jabá com jerimum, arroz, feijão e refresco de
cajá. O vaqueiro empanturrou-se, pois não fazia idéia de quando poderia
saborear aquelas iguarias novamente, as coisas em sua casa não andavam muito
boas.
Depois do almoço deitou-se na rede numa grande varanda e ficou a prosear
com seu amigo, Vicentino Vergueira era um bom homem e convidou-o para pernoitar
em sua casa. “O sol está fervendo, descanse aqui esta noite e siga pra casa de
madrugadinha.” Ele aceitou de bom grado o convite. O velhote foi então falar
com a mulher para arrumar um cantinho para o amigo descansar o esqueleto. Tão
cansado estava, Risonildo acabou pegando no sono, o ar abafado e quente fazia-o
transpirar grudando a roupa em seu corpo.
Ele não era bonito, de pele morena e cabelos negros amassados pelo
chapéu de couro, mais parecia um jagunço.
Romilda, a ajudante da esposa de Vicentino Vergueira veio até a varanda
dar uma olhadela no rapaz que dormia a sono solto. Ela aproveitou para olhá-lo
melhor, percorreu todo seu corpo com um olhar investigador, fixou o olhar em
seu rosto meio coberto com o chapéu, agachou-se e pôde ver sua boca bem
desenhada, “Ele não é de todo feio, o que lhe estraga é esse bigodinho
ordinário”. De súbito, ele despertou e percebeu que estava sendo observado; a
moça, envergonhada, saiu correndo.
Durante o jantar ela não apareceu, disse à patroa que estava sentindo-se
mal, a bondosa senhora deixou-a descansando em seu quarto. Mais tarde,
Risonildo foi andar pelo pomar aproveitando a luz da lua, estava inquieto, precisava
caminhar um pouco.
Foi lá, entre as laranjeiras, que encontrou Romilda. Ela parecia esperar
por ele. Cumprimentaram-se e puseram-se a conversar, falaram de muitas coisas e
ficaram amigos. Caminharam até a varanda onde o pai da moça os espreitava. Já
era tarde e Romilda despediu-se lhe desejando uma boa noite, ele um pouco mais
à vontade pediu-lhe um beijo de boa noite, ela recusou, mas ele insistiu e
acabou ganhando um tímido beijo no rosto. Foi aí que ecoou, vindo de um canto
escuro da varanda, um chiado seguido de faíscas. Era o pai de Romilda que
anunciava sua presença, sacando a peixeira e riscando o chão com ela.
― Cabra safado! Querendo se aproveitar da inocência de minha filha?! Se
atreva seu cabra que eu te rasgo o bucho aqui mesmo na casa do patrão. Disse ele, enfurecido.
Risonildo, medroso como ele só, saiu correndo, pegou seu jegue e tomou rumo
de casa, até hoje não voltou para apanhar suas vaquinhas.
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