O BATOM

         Manuel da Silva é um morador do Buraco Quente, um bairro periférico da cidade onde moro. Todos os dias o pobre Manuel acorda às 04h00minh da manhã e pega dois ônibus para chegar ao trabalho. Assim como ele, muito outros trabalhadores também pegam ônibus e o veículo assemelhasse a uma lata de sardinha, lá dentro, por mais que os passageiros tentem não encostarem um no outro é praticamente impossível porque dois passageiros ocupam o lugar de um, mas como todos precisam ir trabalhar enfrentam o enlatamento coletivo.

         Apesar de muito pobre, Manuel sonha em um dia poder ir morar mais perto do serviço, sonha em comprar uma casinha num bairro próximo do centro e ter mais tempo para ficar com sua esposa. Ele não é um homem romântico, mas ama sua esposa e dedica todo seu tempo e trabalho para dar a ela uma vida melhor, nos últimos tempos esse sonho é que o tem movido, pois o cansaço, às vezes, o abate.

         Maria Josefina, a esposa do Manuel é uma paraibana que veio com a família para a região sudeste à procura de uma vida menos sofrida, chegando aqui conheceu seu amado Manuel a quem se devota inteiramente, “é Deus no céu e Manuel na terra”. Zefinha, como é chamada pelo marido, quer muito ter um filho do seu amado, mas os dois, em comum acordo, resolveram esperar as coisas melhorarem, “Manuel quer dar tudo do bom e do melhor para o nosso filho”, diz ela para as vizinhas que morrem de inveja de sua vida tranqüila.

         Certo dia, Manuel estava voltando para casa, não via a hora de chegar, queria tomar um banho gostoso e ficar jogado no sofá assistindo televisão com sua amada. O ônibus, como sempre estava lotado, as pessoas espremidas, suadas, e algumas, incomodadas com o roça-roça que o aperto proporcionava, alguns homens aproveitavam-se da situação para assediar as mulheres, algumas fingiam que não viam e trocavam de lugar espremendo-se até sair de perto do inoportuno sujeito, outras davam cotoveladas e xingavam o infeliz que, disfarçadamente, saía de perto; Mas sempre tinha uma ou outra que gostava da situação, já teve até casos de pessoas que se conheceram e começaram a namorar no ônibus.

         Olhando aquela situação constrangedora que as mulheres passavam no ônibus, Manuel suspirava aliviado por saber que sua esposa não precisava passar por aquilo, ela trabalhava em casa, era lavadeira e, nas horas vagas, bordava panos de pratos para vender. “É muito trabalhadeira minha Zefinha! Acho que se economizarmos por mais um ano conseguiremos mudar de bairro”. Estava tão concentrado pensando na esposa que levou um susto quando o motorista deu uma freada brusca para não atropelar um motoqueiro que ia “costurando” no trânsito, com a freada uma moça que estava ao seu lado caiu por cima dele, acidentalmente, sujou sua camisa de batom, totalmente envergonhada, a moça pediu desculpas e foi mais para frente do veículo.

         Naquela noite Manuel não teve paz, Zefinha não acreditou na “estória esfarrapada” que ele contou; ela chorou, xingou, esbravejou e obrigou o marido a dormir na sala. Ele, por amor a ela, obedeceu a calado. De manhã acordou magoado, de corpo e de alma. “Não era justo que Zefinha pensasse mal dele, logo ele que só tinha olhos e pensamentos para ela...” Foi a primeira briga do casal. Saiu de casa sem café da manhã (ou melhor, da madrugada), a esposa, sentindo-se traída, não se levantou para preparar seu café como fazia, religiosamente, todas as madrugadas, ficou na cama fingindo que estava dormindo.   

         Não pregara o olho a noite toda, estava sentindo-se a pior das criaturas. “Como é que Manuel podia fazer aquilo? Será que todo amor e dedicação não foram suficientes para ele? Homens são todos safados! Uma corja, isso sim é o que eles são...”.

         Maria Josefina não teve sossego naquela manhã, trabalhou maquinalmente, suas mãos cumpriam as tarefas, mas a mente estava do outro lado da cidade, pensava se naquele momento “o safado” estava trabalhando ou se estava na gandaia.  Pensava e sofria e, quanto mais sofria, mais raiva do safardana sentia.

         Manuel também não teve paz, durante todo o dia esteve macambúzio, amava sua esposa e tinha medo de perdê-la, entendia seus ciúmes, mas não sabia o que fazer para consertar aquela situação. “Como poderei provar que não tenho culpa?”

         Passou três dias em absoluto silêncio até que Josefina anunciou que começaria a trabalhar numa casa de família no centro da cidade. Manuel estremeceu com a notícia e, antes que perguntasse se dormiria no emprego, ela foi logo explicando que iria todos os dias de ônibus, junto com ele, “o dinheiro da passagem é separado do salário, a patroa já adiantou o desse mês, não vou precisar mexer nas economias para pagar a passagem”. Sem comentar o assunto que tirava sua tranqüilidade, saíram para trabalhar. No ônibus, Manuel sofria vendo sua amada naquele aperto, ela desceu do coletivo antes dele e despediu-se com um beijinho. ”Acho que as coisas vão melhorar”, pensou Manuel um pouco mais animado. Na volta para casa, encontraram-se no ônibus, Zefinha parecia mais feliz, conhecer pessoas novas e começar um trabalho novo havia feito muito bem para ela.

         Quando se sentiu mais segura, Maria Josefina chamou se marido para terem uma conversa, queria pedir a separação, “ela ainda não o tinha perdoado”. Ele chorou, jurou pela mãe mortinha que não a havia traído, fez greve de fome, teve febre, e convenceu Zefinha a esquecer aquela idéia sem cabimento. Para não brigarem mais ela disse que o perdoou, mas está sempre de olho no patife. ”Ele que não ande na linha para ver só!” Ela bem que sabia que ele não tinha culpa no acontecido, “mas para homens não se pode dar moleza”.

         Graças ao batom consegui uma boa emprega doméstica.         


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