ESCRITA INVISÍVEL (Crônica)

         Maria Isabel, filha única do fazendeiro Justino Emenergildo, caiu nas graças do boiadeiro Chico Maltino. De bom papo e muito sedutor, Chico conquistou a mocinha dedicando-lhe poesias. Poesias estas que copiava de um livrinho muito velho que havia encontrado no banheiro de uma estação de trem numa das viagens que fizera para negociar gado com um fazendeiro que morava lá para as bandas de Cachoeiro do Itapemirim.
         Isabel logo ficou encantada com a audácia do sujeito, era um desafio e um ato de muita coragem da parte dele, pois se seu pai descobrisse tal atrevimento, na certa o cabra haveria de pagar caro.
         Todas as manhãs ele mandava-lhe um bilhetinho escrito num papel ordinário, depositando total confiança em Zezinho, filho da cozinheira, para executar a tarefa de entregar-lhe a declaração de amor que fazia questão de renovar todos os dias. O que despertava ainda mais a paixão de Maria Isabel. Que lhe respondia com um sorriso tímido.
         Numa dessas manhãs, por um descuido, Zezinho deixou cair o bilhete justamente aos pés do senhor Justino, que intrigado, pegou o papel e quis saber o que estava escrito. Sem titubear, mandou o moleque ir chamar o insolente, “e que viesse logo”!
         Impaciente, Justino caminhou até o curral onde o encontrou já caminhando em direção a casa para conversarem, é claro que Zezinho já havia tratado de dizer-lhe o motivo do chamado do patrão e ele, apesar do medo, desejava desafiá-lo. “Aquela potranca valia o sacrifício.”
         Justino não fez rodeios, foi direto ao assunto e quis saber que atrevimento era aquele. Chico Maltino não se amedrontou. Confirmou tudo, dizendo-se apaixonado por Isabel. Sem meias palavras, Justino proibiu terminantemente aquela paixão absurda, “Minha filha merece coisa melhor”!
         Isabel fingindo não saber de nada agiu de maneira a convencer seu pai de que não tinha o menor interesse pelo vaqueiro e quando foi indagada a respeito do bilhete, sorriu dissimulada, dizendo que Chico Maltino não passava de um João ninguém que não lhe despertava nenhum interesse. Ao contrário, causava-lhe náuseas aquele cheiro de vaca que trazia consigo.           
         Mais calmo Justino decidiu que poderia, então, manter o vaqueiro no serviço, afinal ninguém fazia o trabalho com o gado tão bem quanto ele. Mas por cautela, ficou na espreita, observando cuidadosamente o “andar da carruagem”.
         Os dias que sucederam ao incidente Isabel e Chico não se falaram, estando ele muito ocupado traçando um plano para continuar o romance sem que fossem incomodados pelo pai da moça. Ela passava os dias inquieta, esgueirando-se pela varanda para ver seu amado. Mas ele, cauteloso, mantinha-se distante da casa.
         Com o passa do tempo, Justino abriu a guarda, dando chance para que se falassem:
         — Fique atenta, encontrei uma boa maneira de nos comunicarmos sem corrermos nenhum risco. Mandarei para você um papel em branco, para ler o que nele está escrito você terá que passar um pouco de cinza, as letras aparecerão. Dizendo isso, Chico saiu correndo, pois ouvira as pisadas do patrão entrando na varanda.
         Alguns dias depois do encontro na varanda, Isabel estava sentada em seu quarto, quando um aviãozinho de papel caiu junto a seus pés. Nervosamente, desmanchou-o, dobrou-o e o escondeu sob as roupas, correu até a cozinha e apanhou um pouco de cinza no fogão à lenha, fazendo como o vaqueiro a havia instruído. Como num passe de mágica as letras foram se formando e ela pode ler:
                      Espero-te hoje às três horas em baixo
                          da mangueira, perto do riacho.
                                                                Te amo!
 
        Mais tarde, trocaram beijos apaixonados e juras de amor eterno. Justino havia saído, de modo que ficaram à vontade. Ela quis saber como foi que ele conseguiu fazer aquele truque do bilhete. Com um olhar de superioridade ele disse:
         — Não sou apenas boiadeiro, minha querida, sou mágico também!
         — Mas, como você fez?
         — Muito simples. Vou te ensinar. Pegue um limão, esprema bem o suco e misture com açúcar, mexa bem e depois use como tinta invisível. Depois de seco ainda fica grudando por causa do açúcar, quando entra em contato com a cinza, as letras aparecem.
         Maria Isabel ficou ainda mais encantada. Apesar de ser um vaqueiro, filho de pais pobres, sem ter tido a sorte de freqüentar boas escolas, ele era muito inteligente e isso a fascinava. Ele tinha sempre uma solução para todos os problemas e, com certeza, seu pai sabia disso, do contrário o teria despedido.
         E, enquanto não arranjavam um jeito de convencer o pai a aceitá-lo como genro, continuaram encontrando-se às escondidas.

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